O principal caminho traçado em cirurgia oncológica é o dos procedimentos minimamente invasivos. Por sua vez, uma doença tão múltipla e complexa, como o câncer, exige também abordagens mais extensas, como a quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) com citorredução, indicada para tratamento curativo de diferentes tumores que acometem a cavidade do peritônio.
Na quarta (15),primeiro dia do XXVI Congresso Brasileiro de Cirurgia Oncológica, organizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) no Windsor Barra Hotel, no Rio de Janeiro, uma das salas simultâneas abordou conceitos básicos de citorredução peritoneal e HIPEC no tratamento da carcinomatose, trazendo uma discussão sobre este procedimento ser de fato uma nova esperança para os pacientes. Hope or Hype foi o tema da palestra do cirurgião e gineco-oncologista Eric Leblanc, do Centre Oscar Lambret, na França.
O especialista francês respondeu à pergunta com base em sua experiência com câncer de ovário epitelial avançado, destacando o estudo clínico CHIPOR, randomizado de fase 3, apresentado na ASCO 2023, no qual é um dos autores. O trabalho mostrou que a HIPEC melhora significativamente a sobrevida global e sobrevida livre de progressão peritoneal de mulheres com primeira recidiva de câncer epitelial de ovário (EOC) sensível à platina tratadas com quimioterapia de segunda linha à base de platina seguida de cirurgia citorredutora secundária completa. “O CHIPOR é o primeiro estudo, com grande coorte (268 pacientes) a mostrar benefícios em sobrevida global para HIPEC em casos de recidiva de câncer de ovário”, ressalta Leblanc.
Nove entre dez casos de carcinomatose peritoneal são metástases, o que se torna um desafio na Oncologia. “A carcinomatose é algo que angústia tanto o cirurgião quanto o oncologista clínico. O desenvolvimento de novas tecnologias, novas drogas, escolher a temperatura ideal, o volume, a concentração ideal, tem gerado dados que ampliam o emprego da citorredução em diversos tipos de tumores, permitindo a possibilidade de curar pacientes antes considerados paliativos. Então, com certeza, é mais Hope sim”, analisa o cirurgião oncológico Cristiano Devenci Vendrame, diretor de Pesquisa Clínica e Pesquisador da Supera Oncologia, em Chapecó (SC).
Ao longo do painel, os palestrantes abordaram os oito parâmetros que têm, potencialmente, impacto na eficácia da HIPEC: o tipo de medicamento, as concentrações do medicamento, a solução transportadora, o volume da perfusão, a temperatura da perfusão, a duração do tratamento, a técnica de administração e a seleção do paciente. A definição destes parâmetros é resultado da revisão de 168 artigos publicada em 2019 na Cancers. Na busca por respostas, a biologia molecular se mostra uma aliada da HIPEC, observa Vendrame. “Há marcadores, como a instabilidade de microssatélite e mutação BRAF, com estudos que estão em desenvolvimento, que apontam para mais informações sobre qual será o paciente ideal”
A HIPEC não é o procedimento padrão para todos os casos de câncer de ovário e há critérios para a indicação. Conforme explica o cirurgião oncológico Bruno Azevedo, da diretoria da regional do Paraná da SBCO e titular do Instituto de Hematologia e Oncologia Curitiba (IHOC),os procedimentos indicados são, geralmente, cirurgias de grande porte. “A HIPEC é mais uma forma de tratamento que podemos oferecer aos pacientes. Não é para todos, mas também não é uma técnica que tenhamos que omitir de indicar aos pacientes. É mais hope do que hype desde que tenhamos os melhores níveis de evidência possível”, reforça Azevedo.
É possível fazer HIPEC de forma minimamente invasiva?
Bruno Azevedo responde que, de rotina, o padrão é HIPEC com cirurgia citorreductora aberta, mas, em alguns casos muito selecionados, é possível empregar essa técnica com o uso da robótica ou da laparoscopia convencional. “Em determinados procedimentos selecionados, vamos, por exemplo, por laparoscopia seguida de quimioterapia dentro do peritônio. Se não conseguimos seguir pela via minimamente invasiva, se faz a conversão para cirurgia convencional”, detalha. “É para aquele paciente que entrou para a cirurgia, e não foi possível citorreduzir e, com isso, não é possível deixar o abdômen sem doença. Com isso, buscamos que a molécula da droga penetre numa camada mais profunda do tecido tumoral, usando para isso a pressão do aerossol”, explica.
HIPEC em câncer de estômago e outros tumores
São crescentes as indicações de HIPEC para tumores passíveis de citorredução. É rotina, por exemplo, nos tumores de apêndice e no pseudomixoma peritoneal. “A HIPEC é adicional de terapia para algumas doenças e ela é também uma obrigatoriedade para outras. Vai chegar um momento no qual poderemos usar a melhor droga para cada caso específico e, com isso, a HIPEC será individualizada”, acredita Bruno Azevedo.
A HIPEC segue os preceitos de cirurgia segura, preconizados pela SBCO. Bruno Azevedo relata um exemplo prático de uma paciente na avaliação pré-operatória, na qual se observou um nódulo hepático que tirou essa paciente da fila da HIPEC. “Era uma paciente para a qual haveria um esforço operatório imenso para, no final, ela continuar com doença”, conta.
Outra questão trazida por Bruno Azevedo é a importância da interdisciplinaridade. Segundo ele, é essencial o trabalho conjunto com a Oncologia Clínica e outras especialidades como a Radiologia. “É fundamental que os serviços de HIPEC tenham uma equipe de radiologia que te dê sustentação, sendo a base para o cirurgião oncológico indicar o procedimento e para o melhor controle deste paciente no longo prazo”, afirma.
Citorredução em câncer colorretal
Com base nas evidências atuais, não há indicação para HIPEC para carcinomatose de origem colorretal. A observação é do cirurgião oncológico Samuel Aguiar Junior, líder do Centro de Referência de Tumores Colorretais e vice-líder do Centro de Referência de Sarcomas e Tumores Ósseos do A.C.Camargo Cancer Center. “Com as evidências que temos hoje, estamos entusiasmados a fazer citorredução para remoção das metástases. Porém, a HIPEC hoje, baseada nas últimas evidências, está suspensa”, informa.
A citorredução se mostra benéfica para pacientes com carcinomatose limitada, baixo volume de doença peritonial e fatores biológicos moleculares favoráveis. São fatores de inclusão os tumores bem diferenciados e sem mutação nos genes BRAF ou KRAS. “Esses são os preceitos para indicarmos a citorredução isolada”, ressalta Aguiar Junior.
Encerrando o painel, o cirurgião oncológico Xavier Delgadillo, do Centre Médico-Chirurgical Volta, da Suíça, abordou a PIPAC em neoplasia de cólon. Para pacientes com doença inicial não ressecável, explica o especialista, a PIPAC é viável como tratamento com intenção neoadjuvante (antes da cirurgia). Sua proposta, acrescenta, é facilitar a ressecção secundária.
Na avaliação de Samuel Aguiar Junior, a indicação de PIPAC em carcinomatose peritoneal de origem colorretal requer mais evidências. “Falta muito para passarmos a usar na prática habitual. O método está em fase experimental”, conclui.
Texto produzido por Moura Leite Netto