Pandemia reduz em 46,3% os diagnósticos de câncer colorretal e aumenta prevalência de casos avançados no país

Pandemia reduz em 46,3% os diagnósticos de câncer colorretal e aumenta prevalência de casos avançados no país

Por: ATUALIZADO EM: 18 maio 2021 | PUBLICADO EM: 29 jan 2021

Embora os diagnósticos de câncer colorretal (intestino grosso e reto) tenham reduzido quase pela metade, aumentou a proporção de pacientes com doença avançada e sem cobertura de saúde no Brasil. Dados foram apresentados no British Journal of Surgery por especialistas brasileiros de Cirurgia Oncológica, Oncologia Clínica, Radioterapia e Epidemiologia

No momento em que o Brasil supera novamente a média móvel de mil mortes diárias por COVID-19, um grupo interdisciplinar de médicos e pesquisadores brasileiros traz o relato do impacto da pandemia na prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer colorretal,  doença que representa 9% dos tumores malignos no país. Em “research letter” publicada na revista científica British Journal of Surgery, da Oxford Academic, os autores destacam que houve redução de 46,3% nos novos casos diagnosticados em um dos maiores centros de referência em Oncologia do país.

O texto é assinado por uma equipe interdisciplinar de cuidados ao paciente com câncer colorretal, composta por profissionais das áreas de Cirurgia Oncológica, Oncologia Clínica, Radioterapia e Epidemiologia. O autor principal, Samuel Aguiar Junior, membro do Comitê de Cirurgia Minimamente Invasiva da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO),alerta que a pandemia continuará influenciando os resultados oncológicos, como consequência de apresentação tardia da doença e dificuldade em fornecer investigação diagnóstica e tratamento neste momento em que o país se encontra na segunda onda e os hospitais estão sobrecarregados por conta da necessidade de cuidados com os pacientes com COVID-19.

MENOS CASOS, MAIS AGRESSIVOS E MENOR ACESSO

O estudo “Impact of COVID-19 on colorectal cancer presentation” é uma análise transversal e observacional, que comparou os novos casos de câncer colorretal admitidos entre 1 de março e 31 de julho de 2020 com o mesmo período de 2019, no A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo. O número de pacientes diagnosticados caiu de 108 no período referente a 2019 para 58 em 2020, compreendendo uma redução de 46,3%.

Paralelamente ao fato de ter havido a significativa diminuição dos casos recém-diagnosticados, observou-se o aumento da prevalência de doença localmente avançada, assim como proporção de pacientes sem seguro para cobertura de custos. Segundo o artigo, como o hospital não suspendeu novas consultas para pacientes com câncer confirmado, a diminuição pode ser explicada pela dificuldade em realizar a colonoscopia. “Outro fator pode ter sido o medo de ser submetido a investigação hospitalar durante a pandemia, que segue em andamento”, afirma Samuel Aguiar Junior, diretor de Cirurgia Colorretal do A.C.Camargo.

Outra razão para a diminuição de novos diagnósticos de câncer, acreditam os autores, é o colapso dos sistemas de saúde, especialmente na saúde pública. Este efeito pode ser demonstrado indiretamente pela diminuição do encaminhamento de pacientes do Sistema Único da Saúde (SUS) na instituição, de 21% em 2019 para 14% em 2020.

Outro dado preocupante é o aumento da proporção de pacientes sem qualquer cobertura (de 12,4% para 22%). Este subconjunto de pacientes reflete a perda de cobertura de seguro como reflexo da queda na renda familiar e barreiras para acessar o superlotado, porém, universal, sistema público brasileiro. “É muito comum que os pacientes busquem os hospitais privados para obter acesso ao diagnóstico e tratamento, mas acabarem voltando para o já congestionado SUS, pois não podem pagar o custo integral do tratamento privado”, aponta Samuel Aguiar Junior. Este dado é ilustrado pelo aumento na proporção de pacientes privados que fizeram uma ou duas consultas e que não continuaram o tratamento pelo particular (de 18,5% para 28%).

Ao analisar os dados apresentados por seus colegas, o cirurgião oncológico e presidente da SBCO, Alexandre Ferreira Oliveira, ressalta a importância de intensificar o diálogo com a sociedade para que as pessoas, respeitando as diretrizes de distanciamento social, se mantenham atentas aos sinais do corpo e prossigam com a rotina de prevenção, diagnóstico e tratamento. “Serviços de referência estão estruturados para receber os pacientes com um fluxo seguro, reduzindo os riscos de contaminação por COVID-19”, afirma.

Os autores concluem que os dados mostram indiretamente a migração de pessoas de níveis de renda intermediários para baixos, devido à pandemia. Como consequência de todas essas barreiras, afirmam, houve uma piora do estágio clínico na apresentação, especialmente para tumores localmente avançados. Diagnóstico tardio e, eventualmente, os maus resultados do câncer durante a pandemia, devem ser reconhecidos e tratados pelos provedores de políticas de saúde.

REFERÊNCIA DO ESTUDO

S Aguiar, Jr, R Pimenta Riechelmann, C Abdon Lopes de Mello, J C Frazão da Silva, I D Carrilho Diogenes, M Silva Andrade, T M Duarte de Miranda Marques, P R Stevanato, T Santoro Bezerra, M L Gobo Silva, A Lopes, M P Curado, Impact of COVID-19 on colorectal cancer presentation, British Journal of Surgery, 2021;, znaa124, https://doi.org/10.1093/bjs/znaa124

Sobre a SBCO – Fundada em 31 de maio de 1988, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) é uma entidade sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, que agrega cirurgiões oncológicos e outros profissionais envolvidos no cuidado multidisciplinar ao paciente com câncer. Sua missão é também promover educação médica continuada, com intercâmbio de conhecimentos, que promovam a prevenção, detecção precoce e o melhor tratamento possível aos pacientes, fortalecendo e representando a cirurgia oncológica brasileira. É presidida pelo cirurgião oncológico Alexandre Ferreira Oliveira (2019-2021).

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