Não é novidade que o hábito de fumar é prejudicial: dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que o uso do cigarro mata mais de 8 milhões de pessoas por ano no mundo todo. Desse total, em torno de 7 milhões de mortes são resultado do hábito de fumar e 1,2 milhão é composto por um grupo de não fumantes expostos passivamente à fumaça do cigarro.
Não faltam também estudos para explicar a razão das mortes: são dados e mais dados comprovando que o tabaco é responsável direto pelo desenvolvimento de inúmeras doenças como câncer, infarto, AVC, doenças cardiovasculares, DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) e fibrose pulmonar, entre outras.
Para se ter uma ideia, estima-se que 90% dos casos de câncer de pulmão no Brasil são provocados pelo hábito de fumar cigarro. Atualmente, esse tipo de tumor é considerado um dos mais letais entre homens e mulheres, chegando a atingir uma taxa de mortalidade de 13% e 11%, respectivamente.
Outros tipos de câncer também podem ser desenvolvidos por fumantes como o de bexiga, cabeça e pescoço e pâncreas.
“As substâncias cancerígenas presentes no cigarro provocam mutações celulares muitas vezes permanentes”, explica o médico patologista Felipe D’Almeida Costa, diretor de Ensino da SBP (Sociedade Brasileira de Patologia),titular da anatomia patológica do A.C.Camargo Cancer Center, em SP, e coordenador médico de educação da patologia da Dasa.
“Esse processo agressivo e cumulativo excede a capacidade do DNA de reparar a célula, que passa a se multiplicar de maneira desordenada, desenvolvendo câncer”, diz o especialista.
No caso do tumor de pulmão, um dos grandes problemas é a demora em buscar ajuda —o que faz com que o paciente já chegue ao consultório com a doença em fase avançada.
“Em geral, o fumante não associa os sintomas de tosse, pigarro e secreção a um possível problema de saúde e não procura o médico”, diz Alexandre Ferreira Oliveira, cirurgião oncológico e presidente da SBCO (Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica). “O desenvolvimento de um tumor no pulmão é silencioso, sintomas mais graves acontecem apenas quando o órgão já está muito comprometido pela doença”, afirma.
Outras complicações
O uso do cigarro ainda torna o indivíduo vulnerável a outras infecções. Alguns estudos recentes já mostram que usuários de tabaco têm 34% mais chances de contrair doenças provocadas por vírus da família influenza e pelo coronavírus.
“A fumaça e as toxinas do cigarro ainda possuem efeito imunossupressor, ou seja, são responsáveis por uma maior vulnerabilidade a infecções por vírus e bactérias”, explica Clarissa Mathias, presidente da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).
Segundo ela, o uso do tabaco ainda provoca inflamações nos pulmões. “Isso também é um fator de risco para complicações e agravamento da covid-19”, alerta a especialista.
Tabagismo é uma doença?
Sim. Considerado uma enfermidade complexa, o vício em tabaco pode ter como principal fator a dependência química da nicotina, geralmente medida em uma escala de 0 a 10 por meio do Teste de Fagerström, baseado em um questionário sobre o hábito de fumar.
Em alguns casos, a dependência de nicotina pode até ser baixa, mas a dependência psicológica é forte e está ligada à ansiedade —que também precisa ser tratada, muitas vezes antes do início do tratamento medicamentoso.
O cigarro ainda é composto por mais de 40 substâncias —além da nicotina, outra substância prejudicial é o alcatrão.
Tem tratamento?
Sim. Atualmente, o tratamento farmacológico pode ser baseado em três medicamentos, que podem ou não ser combinados, dependendo da avaliação do especialista em cada caso: terapia de reposição de nicotina; uso da bupropiona, um antidepressivo; e vareniclina, medicamento que age no receptor da nicotina, reduzindo o desejo de fumar e os sintomas da abstinência.
Há inúmeros gatilhos mentais que podem levar o indíviduo a acender um cigarro —como uma determinada comida ou um momento específico do dia. Isso precisa ser observado para que o paciente possa romper o padrão e substituir a ação por uma atividade prazerosa.
“A vontade de fumar que surge como escape de uma situação psicológica pode ser respondida com a ingestão, por exemplo, de um copo d’água, o consumo de uma bala, uma caminhada ou corrida”, afirma Felipe Marques da Costa, pneumologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Mas os médicos também dão atenção especial a essa substituição, já que muitos pacientes substituem a vontade de fumar pela comida —ocasionando um aumento de peso na pessoa.
Ansiolíticos e antidepressivos também são medicamentos que de fato abrem o apetite e precisam ser tomados apenas com orientação e supervisão especializada.
Por isso, é importante que o tratamento seja multifatorial, com médicos e psicólogos montando estratégias individualizadas para evitar impactos indesejados do tratamento, como o ganho de peso.
O tratamento para tabagismo pode ser feito na rede privada e também de forma gratuita no SUS (Sistema Único de Saúde). Informações podem ser obtidas através do 136.
Novos produtos, velhos problemas
Quando falamos em tabagismo, a imagem clássica que vem à mente é de alguém com o cigarro na mão. Mas, em tempos modernos, esse cigarro também acabou virando um device.
Os cigarros eletrônicos (ou dispositivos eletrônicos para fumar, como são chamados) são uma forma de atrair o público mais jovem para o vício, com uma roupagem moderna e tecnológica de um produto que faz tão mal quanto seus “primos” de papel.
Para se ter uma ideia, dados recentes da Pesquisa Nacional de Saúde mostram que o uso dos derivados de tabaco (cigarros e outros produtos do tabaco) diminuiu em todas as faixas etárias nos últimos anos, exceto entre os mais jovens (18 a 29),em que a prevalência permanece a mesma.
“Isso pode ser decorrente justamente dos novos dispositivos do tabaco que estão sendo inseridos na população mais jovem”, avalia Luciana Vasconcelos Sardinha, assessora técnica de epidemiologia e saúde pública da Vital Strategies, uma organização global de saúde pública.
Até o dia de hoje, a comercialização, a importação e a propaganda dos cigarros eletrônicos permanecem proibidas no Brasil. Mas a indústria do tabaco faz pressão para isso mudar, alegando que o e-cigarro funciona como auxílio àqueles que desejam parar de fumar e que são menos danosos, o que não é verdade.
Pensando nisso, a Fundação do Câncer, em parceria com a Aliança para o Controle do Tabaco e a Associação Médica Brasileira, elaboraram uma cartilha (que pode ser baixada clicando aqui) com informações importantes para chamar a atenção dos jovens sobre o perigo do uso desses dispositivos.
Para o epidemiogista Alfredo Scaff, consultor médico da Fundação do Câncer, tratar de um assunto como a dependência do tabaco de forma natural ajuda a sociedade. “É algo que está em nosso cotidiano e que muita gente não vê como dependência química, mas é”, ressalta.
Fonte: VivaBem – UOL